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quarta-feira, 16 de abril de 2008

San Juan Chamula

Nunca estive tantas vezes em um lugar como este fim de semana. San Juan Chamula fica cerca de 10 Km de San Cristoban de Las Casas. È uma cidade turìstica que nao tem muita coisa para fazer. Hà duas igrejas (uma em ruinas e outra inteira) e artesanias indigenas. E sò! A questao è: porque vale a pena estar là? Na sexta fui porque em San Cris nao ha nada para fazer (ja havia perdido uma viagem para Guatemala) e estava muito bem acompanhado do casal espanhol Javier Rubio e Isa.

O grande segredo turistico em San Juan esta na historia religiosa do local. No entanto nao investiguei tanto este dia (somente comemos “pollo” e tomamos “cerveza” em “la calle”. Na rua, pela lei mexicana, nao e permitido beber). No sabado estava com Azul e iriamos ao Cañon del Sumidero passear de barco e fazer turismo (com o casal nota 10). Porem, nao havia vagas e fomos (eu de novo) à cidade que tem aquele segredo religioso. Desta feita descobrimos um pouco mais do “misterio” que ronda esta cidade.

Dentro da igreja inteira nao se pode tirar fotos, pois, reza a lenda indigena que, se levam imagens dos santos catolicos tambem estao levando sua alma. Perguntamos entao, em um balcao de informacoes turisticas, o porque das fotos e o rapaz disse que os indigenas temem que estrangeiros vendam este material em seu pais (ou seja, muito turistico, nao!?). So os indios podem vender seu turismo (afinal, vivem disso!).

Em seguida questionamos qual o motivo de algumas estàtuas dos santos carregarem espelhos no peito. Eu acreditava que, com nossa imagem refletida, os santos nos levariam a alma . E qual nao foi minha surpresa quando o sujeito responde: “Como (a)os indigenas neste local sao muito vaidosos(as) e tem muitos espelhos em casa, os santos deles tambem tem que ser vaidosos e portar um espelho.

Ta bom! Ta bom! Toda magia que eu pensava que que havia neste lugar caiu por terra! Afinal, nao ha nada mais a fazer nesta cidade!? Ledo engano...

Domingo regressei a este lugar com um proposito diferente do turismo: trabalhar! Fui convidado por Angel, um mexicano, para fazer seu documentario sobre San Juan Chamula. O motivo desta vez era fazer uma pesquisa investigativa para gravar no outro fim de semana.

A principio “nosostros” tivemos que esperar o padre Pedro por 2h, pois ele estava rezando uma missa para os indigenas. Agora sim, descobri novidades! Por exemplo, uma parte da populacao indigena è catòlica e outra tradicionalista. Quando ha missa a parte catolica acompanha todo o procedimento. Ja os tradicionalistas (que mantem usos e costumes indigenas) esperam o termino do evento para que seus filhos possam ser “bautizados”. Estranho, nao!!!??? Bem, atè onde investigamos o batismo è a unica tradicao da igreja catolica aceita por esses caras.

Conseguimos conversar com o padre e marcamos a entrevista para terça. Soubemos que ele nao reza missa todo fim de semana, pois os tradicionais nao gostam, e lhe fizemos esta pergunta. Creio que ele anda muito com o cara do turismo, ja que a resposta foi muito coloquial: “ Rezo missa em muitas comunidades, por isso nao venho todo fim de semana”. Quando olhamos dentro dos olhos das pessoas sentimos respostas muito vagas nesta comunidade...

Comemos e fomos para Tres Cruces, povoado muito cercano de San Juan (4km). Chegamos a casa de Candelario Heredia Hernandez, um dos presos politicos libertados, depoi s de 5 anos e 63 dias. O documentario de Angel tambem vai tratar deste assunto pois, alem de Candelario, outras 4 pessoas desta comunidade estavam encarceradas: Mariano (pai de Candelario); Pascual (irmao); Zacario Hernandez Hernandes (o preso que iniciou a greve de fome, em 23 de fevereiro deste ano, e vizinho da familia acima) e seu irmao Enrique.

Eles foram detidos por que os caciques religiosos locais nao gostaram da ideia desta familia construir sua propria igreja (todos os injustamente detidos sao indigenas catolicos). Estes “cacicazguos” com ajuda da Policia Sectorial, da Agencia Estatal de Investigacoes, da Policia Municipal de Chamula e civis armaram um esquema para, ao mesmo tempo, destruir a nova igreja e incriminar a esta familia. Dois dias antes 2 pessoas foram mortas na estrada de Tres Cruces e esta gente acusou a Pascual e a Enrique.

No dia 28 de janeiro de 2003, a noite, varios destes policiais e civis entraram no terreno da familia Heredia Hernandez e atiraram, invadiram as casas e destruiram a igreja. Neste intento 5 pessoas foram mortas (entre eles o irmao mais novo de Pascual e Candelario, Guilhermo) e, desta feita, acusaram injustamente Candelario, Mariano, Pascual, Enrique e Zacario. “Como poderia eu matar meu proprio irmao!”, exclama o recem libertado Candelario Herendia.

O questao politica aqui no Mexico è muito forte em todas as partes e, por causa de uma “afronta” ao poder politico-economico local, cinco pessoas sao acusadas de homicidio, sem testemunhas, e mofam na cadeia por mais de cinco anos. A justica nao faz nada. A populacao nao faz nada (somente a familia dos presos). O governo se finge de morto e as pessoas tem que viver de fè. Alias, este foi o motivo que manteve estes homens religiosos de pè, depois de quase 40 dias em greve de fome.

A gravacao do documentario comeca esta semana (15.04).

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Greve de fome


A semana passada foi muitissimo corrida. Passamos quase todo o tempo metidos em atividades em apoio aos presos politicos em greve de fome. A comecar por uma reuniao longa e dramatica na segunda, dia 31 de marco, da qual tiramos comissoes para trabalhar intensivamente nesta que seria a semana decisiva, durante a qual muitos companheiros e companheiras de luta iam comecar a morrer. Nós do coletivo "Casa de la Paz" integramos a comissao de açao, cuja responsabilidade mais urgente seria confeccionar caixoes e faixas para fazermos uma grande manifestaçao na quinta seguinte.


A discussao foi quente, emocionante e entrecortada por uma transmissao em tempo real da fala do portavoz do Governo Juan Sabines, onde liberava 137 presos politicos, entre eles 20 dos nossos 37, que estavam em greve de fome ha mais de um mes. Assim que voces podem imaginar o golpe que foi essa atitude sobre nossa mobilizacao… o governo liberou alguns de nossos presos junto com outros presos pertencentes a organizacoes paramilitares (entre elas, gente que integra um grupo chamado Paz y Justicia – que atormenta muitissimo a vida dos zapatistas – e pessoas envolvidas no massacre de Acteal, de 1997, onde 45 indigenas foram assassinados, a maior parte dos quais, crianças e mulheres, algunas delas gravidas). Trata-se de uma suspeita fortísima de importantes organizacoes de direitos humanos aquí de Chiapas, confirmada pelo fato de que o Governo nao quer divulgar a lista completa dos liberados.

Por outro lado, dos nossos presos, o governo libertou justamente aqueles que eram os lideres, por assim dizer. Ou seja, embora estivessem muito debilitados, eram as pessoas que mais davam força moral para os demais, eram os que mais falavam, aqueles que desenvolviam estrategias para golpear o Governo.

Ademais, os argumentos estatais para nao soltar os 17 que continuam presos é que ha testemunhas oculares contra eles e que haviam confessado seus supostos crimes (denuncia-se que foram obtidas por meio de tortura). Bem, se sao culpados ou nao, e para argumentar apenas dentro do ambito do direito, o fato é que todos eles foram detidos sem ordem de prisao, nao tiveram direito a um tradutor durante seus processos (tem o tzeltal e o tzotzil como linguas maternas), etc.

O fato é que com essa atitude, o governo posou para a midia como flexivel, como aquele que dialoga, que é "realmente de esquerda", segundo suas proprias palavras durante a tal conferencia de imprensa. Alem disso, conseguiu tirar um pouco a força do nosso argumento em relaçao a inocencia dos presos, ja que seus processos passaram pela revisao de uma tal "mesa de conciliacao".

Diante disso, os 20 presos que foram soltos, ao inves de irem para um hospital ou para suas casas, foram direto para o plantao de familiares em frente ao palacio de governo, em Tuxtla. Acordaram entre si que se somariam ao plantao, que entao completava uma semana, ate que todos os seus companheiros fossem liberados. Iam dar uma coletiva de imprensa na terça, para reafirmar sua inocencia e a de seus compas, presos injustamente. De modo que fomos para Tuxtla acompanha-los. Muitos estavam ainda com os uniformes da prisao. Achamos que a fala deles deveria ter sido mais agressiva, mas tudo bem… Regressamos logo depois para San Cristóbal para confeccionar os tais ataúdes.

Eramos 10 mais ou menos os que se reuniram em nossa casa, durante a noite de terça, para preparar a marcha de quinta. Foi um trabalho muito prazeroso, estavamos muito confiantes na força de nossa mobilizaçao – embora entre nós só houvesse dois mexicanos envolvidos nisso. Trabalhamos de 8 da noite ate uma e meia da manha e construimos 5 caixoes e duas faixas enormes com os dizeres: "Así nos quiere el Gobierno" e "Libertad a los presos politicos en huelga de hambre".

Na quarta, eu e a Leila continuamos sozinhas a fazer mais ataúdes: construimos outros 3. Nessa mesma noite, o povo voltou a juntar-se em nossa casa e fizemos mais 4 caixoes. Total: 12 caixoes do papelao.

Na quinta, as 4 da tarde começou a marcha, que sairia da rodoviaria e iria ate o Zocalo (praça central). Qual nao foi nossa decepcao e mesmo raiva, quando nos demos conta de que eramos praticamente puros estrangeiros os que estavam na marcha! Haviamos decidido que seria muito arriscado carregarmos os caixoes, pois haviamos percebido um policiamento reforcado na cidade durante a manha desse dia – fora que nesses eventos sempre ha os X9 da vida, que ficam tirando fotos, se passando por turistas, mas sao informantes do Governo. Por isso, decidimos que apenas acompanharíamos a marcha, como se fossemos turistas curiosos. Mas, se nao havia mexicanos ali, o que fazer? Deixar que marchassem meia duzia de pessoas, com a metade dos caixoes feitos? Nao teve jeito, tivemos que nos arriscar. Era uma sensacao muito ruim, de medo e de ridiculo, porque as pessoas que passavam se perguntavam: "que é isso, manifestacao de gringos?" Que triste: um tanto de gente que passa horas nas reunioes teorizando, discursando, se fazendo de revolucionario e importantes e, na hora que o bicho vai pagar, onde estao eles???

Enfim, foi um quase-fiasco! Um quase-fiasco demasiado arriscado, reconheço! Mas, teve seus pontos positivos: primeiro que, segundo alguns, os presos e seus familiares souberam da noticia e se sentiram mais fortes ou pelo menos, que nao estao sozinhos. Segundo que foi um chamado de alerta para a "Outra Jovel" (a versao chiapaneca do, digamos, movimento zapatista civil chamado "A Outra Campanha"), para que comesse a criar uma base popular de sustentacao, se nao quiser desaparecer. E, finalmente, foi bom para que eu tenha a oportunidade de aprender com os erros e acertos o que é fazer politica no dia a dia, com todas as dificuldades que isso implica.

Na sexta, dia da ressaca da frustracao, fizemos mais uma loooonga reuniao, na qual lavamos a roupa suja e da qual, mais uma vez, nao saiu nada de concreto e impactante para ajudar na luta. A unica informacao nova, que ate entao era um rumor, era que provavelmente as familias levantariam o plantao no dia seguinte. Motivo: depois de duas semanas, estavam muito cansados e nao havia qualquer sinal de flexibilizacao do governo.

Sabado, para mudar um pouco a rotina, visitamos o Caracol zapatista de Oventic. Trata-se do caracol (ponto de encontro entre zapatistas e sociedade civil, sede das autoridades autonomas regionais) mais famoso e mais estruturado dos zapatistas. De fato, e muito lindo o lugar. Mais que lindo: e impresionante! Os caras tem uma escola autonoma de ensino fundamental, uma escola autonoma de ensino medio, uma clinica autonoma de saude, varias cooperativas de artesanato, de café, etc. Bonito ver os jovens zapatistas jogando basquete com jovens europeus! Bonito ver uma mulher, com rosto coberto por seu paliacate (lenco vermelho com o qual escondem sua identidade) ocupando o lugar de presidente da Junta de Bom Governo zapatista! Lindos sao os murais super coloridos a cobrir todas as fachadas das construcoes do lugar.

Domingo, recebemos a noticia de que os presos suspenderam a greve de fome, depois de receberem uma carta do exbispo de Chiapas, Samuel Ruiz, pedindo para que pensassem em outra estrategia para presionar o governo. E triste essa decisao porque assim o movimento perde forca, mas nao e de jeito nenhum condenavel: alguns dos presos levavam 41 dias em grevede forme!! A aposta era alta demais!! Agora e esperar a proxima reuniao, para ver quais serao os novos rumos e estrategias que vamos seguir…

Texto de Alyne Azul